terça-feira, 7 de julho de 2020

Patati-Patatá

Era uma vez um Patati-Patatá.

Desculpa.

Era uma vez um Patati e um Patatá.


Humm.

Outra vez.

Era uma vez um Parati-Paratá.


- Para mim?

- Sim, Parati. Parati-Paratá.


- Mas quem é esse Tá?

- Qual Tá?

- Então, disseste para mim e para Tá. Quem é esse Tá?

- Que confusão! Não há nada para ti!

Era uma vez uma Parati-Paratá. O Parati-Paratá é um rebuçado.

- Ah! Pensei que eram dois.

- Não, é só um. Um Parati

E toma lá, dá cá.





A primeira vez que te vi


A primeira vez que te vi

Foi num jardim

com a minha mãe.

A tua perfeição

deixou-me boquiaberta.

Perplexa também.


Nada mais és, do que ar.

O sopro do coração.

Sei que a minha mãe te fez com carinho.

Estico-me toda,

mas em vão.

Tento agarrar-te

mas não consigo.


Fico só a olhar,

a ver-te cair.

E assim sou feliz.

Deslumbrada

com as tuas mil cores

Ao te aproximares do meu nariz.


Finalmente consigo alcançar-te!

Toco-te com a ponta do dedo!

E num instante

tu desapareces.


Acaba a magia.

Acaba a emoção.

De ver pela primeira vez

Uma bola de sabão.





Da letra A à letra Z

_ _ _


Um dia encontrei

um dicionário ao contrário.

Em vez da ordem alfabética

as palavras estavam

tal como mais gostavam.


Ao lado da palavra mãe, estava amor e eternidade

Ao lado da palavra avô estava cócega e saudade


Neste dicionário ao contrário

tudo fazia mais sentido.

Não encontrávamos a palavra pular

por baixo da palavra pudim.

Porque saltar em cima de pudim

Seria uma sujeira sem fim.


Ao lado da palavra filho, estava a palavra alegria

Ao lado da palavra pai, encontrávamos nostalgia


Gosto bem mais desse dicionário.

O mundo deveria ser mesmo assim:

Não organizado alfabeticamente

como hoje em dia se vê,

mas guiado pelo coração

Da letra A à letra Z.

_ _ _



 

sábado, 25 de abril de 2020

17 de agosto



Querida tia,

nascemos no mesmo dia com cinquenta e cinco anos de diferença. Tu Adelaide, eu Susana. "Susaninha" como sempre me chamavas. Não te vou escrever com palavras caras porque nunca foste rica. E não vou filtrar aquilo que escrevo porque também tu dizias o que pensavas sem papas na língua.
Não havia ninguém que não notasse a tua presença onde quer que estivesses. Uma mulher alta, bonita e cujas gargalhadas e cantigas enchiam uma sala.
É com esta Adelaide que eu quero ficar.
Quero ficar com a Adelaide que sabia viver a vida. Que não ia em cantigas de ninguém. Que sofria só para ela e aos outros só sabia dar sorrisos.
Quero ficar com a Adelaide que quando saía de casa punha os estores para baixo mas a janela aberta e a televisão ligada em altos berros para enganar os gatunos de ocasião.
Quero ficar com a Adelaide que sabia brincar ao Carnaval e fazer as delícias das crianças no Natal como me conta a minha mãe.
Quero ficar com a Adelaide que tinha sempre a porta aberta para mim. Que me dizia que a porta estava só fechada no trinco e que na sala tinha uma fotografia da minha mãe ainda menina.
Quero ficar com a Adelaide cuja casa era sempre perfumada com canções de fado, de Amália que admiravas tanto.
Quero ficar com a Adelaide que nunca parava em casa. A Póvoa era muito pequena para ti. Só em Lisboa te sentias bem. A cidade que conhecia o batimento rápido do teu coração e o ritmo com que gostavas de viver a vida.
Quero ficar com a Adelaide que tanto me fazia rir a mim e aos seus netos por pensar que sabia o tema da conversa e acabava por disparar uma frase totalmente descabida sem querer.
Quero ficar com a Adelaide que se vestia de todas as cores. Aquela que não deixava a dor entrar no guarda-fato e usava batom vermelho para sublinhar a garra com que vivia todos os dias.
Quero ficar com a Adelaide que se atrevia a ser feliz e que, às vezes, pouco era compreendida por aqueles que a rodeavam.
Oh Adelaide! Mas tu sabias. Tu sabias que a vida era curta.
E eu quero ficar contigo.
Não quero ficar com a tia que se foi embora hoje. Não quero ficar com a mãe, a irmã ou avó que partiu.
Querida tia, vais ficar comigo.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Lês erradamente



Se procuras um livro de cabeceira que te ajude a adormecer, lês pelas razões erradas.
Se procuras um livro que te caiba na mala e que te dê prazer, lês pelas razões erradas.

Não quero livros para adormecer.
Quero livros para acordar.


Não quero livros que encaixem comodamente na minha vida.
Quero livros que me empurrem do cimo das escadas e me ponham numa cadeira de rodas.

Não quero livros para saborear com uma taça de chá.
Quero livros que me deixem inquieta.
Quero esses livros já.