É uma coisa boa, a Amizade.
Geralmente, não se percebe bem quando começa.
Nunca ouvi ninguém dizer: “Começámos a amizar
no dia 15 de setembro.” Não. Aparece de forma mais ou menos natural com o
passar do tempo e com a proximidade e cumplicidade que duas pessoas vão
ganhando. É de dia para dia que se ganha e constrói uma amizade.
E a amizade não precisa de grandes declarações
ou cartas, não precisa sequer de ser platónica ou proibida. Ninguém dá flores
ou leva alguém a jantar a um sítio caro para ganhar a sua amizade. Não se esta
quiser ser sincera. A amizade alimenta-se de gestos simples e de palavras
certas no momento em que mais se precisa. A amizade prefere muitas vezes um
abraço às mãos dadas e tantas, mas tantas vezes um ombro a um beijo.
E nem sempre é um sentimento claro. A verdade é
que só nos apercebemos dela muitas vezes quando não estamos à espera. E noutros
momentos quando já estávamos a contar com ela, quando já a dávamos por certa é
que ela parece que não está e escapa-se-nos por entre os dedos como uma brisa
de vento que não se segura.
Mas a amizade traz-nos mais alegrias que
tristezas. Traz-nos muitos momentos bem passados. Traz-nos muitas memórias que
levamos até ao nosso último pensamento e traz-nos acima de tudo a vida. É
quando rimos que nos sentimos vivos. Que nos libertamos de nós próprios. Que
deixamos a nossa máscara dura, de ferro, cair para dar lugar à surpresa e à
gargalhada com o outro.
E um amigo perdoa sempre um amigo, “porque se
fosse comigo eu sei que farias o mesmo”. “Eu perdoo-te porque a nossa amizade é
mais forte do que isso”. É outra verdade. A amizade é forte. Tão forte que não
acaba nem mesmo enfraquece quando as pessoas estão fisicamente longe umas das
outras. Faz-me até acreditar que existe algo acima de nós próprios, mais
poderoso que algum outro ser que mantém os laços de amizade fortalecidos mesmo
após anos e anos sem falar.
A mim parece-me que a Lua está de alguma forma
comprometida neste caso. Parece-me suspeito que quando olho para ela me lembre
sempre dos meus amigos, sabendo que eles também poderão estar naquele preciso
momento a olhar para a Lua ou pelo menos a ser contemplados por ela.
E há ainda outra verdade maravilhosa. É que podemos
ter quantas amizades nós quisermos. Não precisamos de nos sentir culpados por
ter mais do que um amigo. Na verdade, as amizades também não se contam pelos
dedos mas pela quantidade de vezes que pensamos no outro antes de pensarmos em
nós mesmos. Não é quantificável. Na realidade, é uma das formas de pormos à
prova uma verdadeira amizade. Aquele que nos cobra por ter outras amizades além
da sua, não é um verdadeiro amigo. Não deseja da mesma forma que nós, a nossa
felicidade.
E a amizade é ainda preciosa noutro aspeto. É
que os amigos não precisam de caminhar os dois na mesma direção. Não precisam
sequer de estar no mesmo barco para seguirem o mesmo caminho. Para se
entenderem, no campo da amizade, os amigos só precisam de ter tempo um para o
outro, para se ouvirem. Mas ouvir não é apenas estar calado enquanto o outro
fala. Não. Isso já sai da fronteira da amizade outra vez. Para se ser amigo de
alguém, tem de se escutar de verdade, com os olhos, com os ouvidos e com o
coração. Eu sei que tenho um amigo de verdade quando ele termina as frases que
eu comecei e quando até nos meus silêncios ele sabe o que eu estou dizer.
Depois, as pessoas têm necessidade de
materializar a amizade de alguma forma. Há pessoas que oferecem presentes umas
às outras. Algumas tiram fotografias dos momentos que passam juntas. Outras
fazem vídeos para mais tarde poderem recordar. Há até quem guarde bilhetes de
cinema ou de espetáculos vistos em conjunto. E outros há, que escrevem nos seus
diários as formas como a amizade se revelou naquele dia especial. Além disso,
há as músicas que acabam por eternizar aquela noite no bar ou aquele cheiro a
crepes do dia em que fomos beber café.
A amizade nunca se esquece mas, mesmo assim, as
pessoas têm necessidade de a manter segura no campo dos sentimentos como se
fosse uma daquelas pedrinhas que mais brilha na praia e que nós queremos
guardar para sempre numa garrafinha com areia.
Poderia ficar aqui uma eternidade se continuasse
a escrever sobre a amizade mas não me seria dado tempo suficiente para o fazer.
O melhor será continuar a tê-la na minha vida.
- Amizade, queres ser minha amiga?
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