Num
oceano longínquo (daqueles que nem com binóculos se avistam) existe uma ilha
diferente das outras. Não é uma ilha com palmeiras e praias de areia branca e
água transparente. Não, senhor. É uma ilha com óculos de todos os tamanhos,
formas e cores. Com óculos de sol, óculos de ver ao longe e de ver ao perto,
óculos para a vista cansada, óculos de natação, óculos de ski e outros que tais.
Há óculos a perder de vista! Mas, ninguém
habita nesta ilha. A verdade é que as pessoas nem sabem que ela existe. Quando
trocam de óculos, deitam-nos fora e eles são enviados para esta ilha em
nenhures. E os óculos passam a vida à espera que algum barco atraque por engano
na ilha e os descubra para voltarem a sentir-se úteis. Todos eles já tiveram
alguém que os usasse e que cuidasse deles, que os limpasse com um paninho e os
guardasse numa caixinha. E nenhum deles se esquece daquilo que viu e daquilo
que partilhou com quem os apoiava na parte de trás das orelhas. Mesmo quando
eles não eram usados, as pessoas colocavam-nos no topo da cabeça e eles eram
felizes só a olhar as nuvens e as estrelas. Mas, maior
cego é aquele que não quer ver e os óculos na sua ingenuidade, nunca se
perguntaram sobre o destino que teriam tido os óculos que lhes antecederam e
que destino teriam eles próprios quando já não servissem.
Acontece
que um dia, um navio passou muito perto da ilha e um tripulante desceu num bote
para a ir conhecer. Quando chegou, o seu espanto foi tal que logo chamou os
amigos para irem ver também. Era ver para crer! O
grupo de homens entusiasmou-se com a descoberta. Ficaram com os olhos em bico e nenhum deles via onde punha os
pés, só com a ânsia de pegar nos óculos que mais brilhavam, naqueles que mais lhes enchiam a vista. Ainda para mais, os óculos
estavam mesmo ali a jeito. Era só pegar e levar. E podia levar-se todos os que
coubessem numa mão cheia, sem dar parecer a ninguém. E depois, como a cavalo dado não se olha ao dente, não interessava de que tipo de óculos se
tratava. Cada par de óculos que os homens pegavam parecia ainda mais bonito que
o anterior e era mal-empregado continuarem ali ao abandono. Os homens levaram
tantos quanto puderam, nas mãos, na cabeça, ao pescoço, presos à roupa, enfim.
E voltaram para o navio, contando a novidade aos outros passageiros.
Ainda
chegaram a contar em suas casas, aos amigos e à família sobre a ilha dos óculos
perdidos mas ninguém os levou muito a sério. Eles começavam a contar a história
dizendo “Se tu visses o que eu vi…” e os
ouvintes acabavam dizendo “Só a olhos vistos,
porque contado ninguém acredita!”. De que eu tivesse conhecimento, nunca mais
ninguém voltou à ilha dos óculos perdidos. Conta-se que ainda hoje lá estão à
espera de outros homens que os encontrem.
Mas,
depois daquele dia, alguns óculos acabaram mesmo por se partir, ora numa haste,
ora na outra, ora nas lentes, ora na armação ora no… coração. Sim. Os óculos
também têm coração. Não sabias? Se olhares com atenção para os óculos de alguém
encontrarás o seu coração. Às vezes consegues vê-lo sem esforço, logo quando a
pessoa sorri e os óculos se elevam um bocadinho acompanhando as bochechas.
Outras vezes, é mais difícil e tens de te concentrar e estar atento mas ele lá
aparece, ora na íris ora num reflexo da lente. Todos os óculos daquela ilha têm
ainda um coração à espera de ser descoberto. Por isso, os óculos precisam das
pessoas para lhes dar vida. É através delas que os óculos se sentem estimados
e, principalmente, amados.
Naquele
dia, alguns tiveram sorte. Voltaram a ter alguém a quem acompanhar, com quem
partilhar momentos e, principalmente a quem mostrar o
mundo com outros olhos. Sim, às vezes
as pessoas estão tão presas à sua própria realidade que não conseguem ver além
do que lhes é permitido. São os tão comummente chamados cegos-visuais. Aqueles
que só não veem porque não querem e não por não o conseguirem fazer. É curioso que,
por vezes, é mesmo o que está mais longe da vista
que está ao mesmo tempo mais perto do coração.
Assim,
não foram só os óculos que naquele dia ganharam vida. Cada pessoa que usou um
dos óculos da Ilha-dos-óculos-perdidos passou a ver a vida de outra forma. Depois
de terem sido salvos, tinha chegado a altura de serem eles a salvar os Homens.
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