Não era mais do que uma tarde cinzenta e chuvosa
de outono e, no entanto, eu tornei-a naquela tarde cinzenta e chuvosa de
outono.
Quem se cruzava connosco no jardim não percebia
o que se estava a passar. Lá continuavam resguardados debaixo das sombrinhas,
mas os seus rostos viravam-se para trás depois de passarmos por eles. As
pessoas achavam que se perdessem mais uns segundos das suas vidas a
observarem-nos iriam perceber o que se tinha passado.
O mesmo acontecia no comboio. Olhavam para nós
como se fôssemos pessoas com um comportamento muito estranho, pouco enquadrado
naquela tarde cinzenta e chuvosa de outono. Alguns atreviam-se a olhar de forma
direta para nós, fazendo-nos sentir perturbados e a mais. Mas, a maioria,
procurava ver-nos refletidos no vidro das janelas para poder tirar conclusões
à vontade e julgar-nos mais facilmente.
É tão fácil julgar o que não se conhece. Muitos
pensaram com certeza que eu era uma louca acabada de sair do manicómio e que
ele era meu irmão e ralhava comigo sem razão. Outros devem ter ficado a pensar que eu era
uma pobre mendiga, a quem a sorte nunca tinha batido à porta e que ele era um
voluntário a tentar levar-me para um sítio seguro. Muitas outras coisas lhes passaram,
por certo, pela ideia.
O que eles não conseguiam perceber era a minha
cara de felicidade. Quase parecia estar a gozar com ele, rindo-me dos
disparates que ele ia dizendo. Estávamos os dois todos encharcados e eu, a cada
vez que espirrava, sentia o meu sorriso crescer ainda mais. E ele continuava a
falar comigo, a dizer que não podia ser assim.
O que aquelas pessoas também não sabiam, era que
eu dantes era igual a elas e que me aborrecia com uma tarde cinzenta e chuvosa
de outono, até ter chegado aquela tarde cinzenta e chuvosa de outono. Aquela em que descobri que este poderia ser o último dia da
minha vida e, por isso, não valeria a pena esperar pela primavera para me sentir viva.
Sem comentários:
Enviar um comentário