segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Respirei fundo

Respirei fundo. Respirei fundo apenas para ter a sensação de que os meus pensamentos ficavam um pouco mais leves. Mas não. Era uma sensação ilusória. Na minha cabeça havia pontos de interrogação a voarem em remoinho. Mas além de mim, ninguém os conseguia ouvir. O seu zumbido era tão forte que nem deixava o meu coração falar. Era como se uma agulha me estivesse a atravessar o peito e os meus pulmões fossem um balão a esvaziar-se dentro de mim. Sentia-me claustrofóbica dentro daquele comboio. Já estava sentada naquele lugar há demasiadas horas. Já sabia de cor o lugar de cada pessoa que ia na minha carruagem. As janelas tinham vindo fechadas o caminho todo e as minhas pernas já não sabiam que posição escolher. A certa altura, inspirei pelo nariz e concentrei-me em libertar pela boca o ar tóxico, já saturado de dióxido de carbono. A dor de cabeça também parecia que começava finalmente a ir-se embora.
Num gesto único, passei as mãos pelos meus cabelos e penteei-os para trás. Já não me lembrava da última vez que os tinha tido tão compridos. E eis que sinto um novo aperto no coração. A ansiedade pelo desconhecido e a incógnita estavam a apoderar-se de mim. Quase que obrigavam o meu corpo a deixar-me e a querer ser apenas mais uma das pessoas que estavam sentadas ao meu lado no comboio. Essa ideia até parecia agora bastante agradável. Talvez tudo fosse mais fácil. As pessoas à minha volta podiam não parecer felizes mas também não mostravam estar preocupadas ou inquietas com aquela viagem.

Apercebi-me de que as minhas mãos estavam molhadas. Limpei-as às calças de ganga. Calças de ganga. O que é que me levou a, num dia tão importante como aquele, vestir uma roupa tão casual? Talvez fosse a minha necessidade inconsciente de segurança e a minha tentativa de alcançar tranquilidade em alguma parte de mim. E logo de seguida, parecia que um punhado de borboletas se tinha alojado na minha barriga. Ou seriam formigas? Ou seria o medo de já não te reconhecer a face? Não. Lá vieram novamente os pensamentos revestidos de chumbo. Vieram em forma de tornado e arrastaram consigo palavras desagradáveis que azedam na boca, numa força centrífuga que me consumia por dentro. Um telemóvel começou a tocar e despertei. Olhei também para o meu telemóvel de forma descontraída em total contraste com o que sentia no meu íntimo.

Pela janela dei conta de que os postes já não passavam por mim com a mesma velocidade de há pouco. Estava a chegar. Alguém abriu uma janela lá no início da carruagem e o cheiro da terra ainda húmida entrou como uma brisa no meu espírito. Outono. O tempo de deixar para trás das costas o verão que já foi bom um dia, mas já não serve para o inverno que se aproxima.

Uma paisagem amarela, castanha e vermelha preencheu a minha janela e incendiou os meus pensamentos como se de papel envelhecido se tratassem. Era um quadro de aguarelas que se apresentava à minha frente. E ao mesmo tempo era uma lufada de ar fresco que invadia o meu coração de certezas. Aquelas que me tinham levado a entrar no comboio.

Vi-te na plataforma de imediato. Eras apenas um no meio da multidão e eu reconheci-te. Estavas à minha procura. Eu sei. Os teus olhos estavam fixos nas janelas do comboio em busca dos meus. Sorri para ti. Finalmente viste onde estava.

É incrível como os nossos olhos estão destinados a cruzarem-se. É como se já tivessem passado mais do que uma vida juntos. Gosto de pensar que eles já viveram e já se amaram de tantas outras formas quanto o número de pessoas que há neste mundo, num tempo que ninguém acredita que alguma vez existiu. Talvez só eles saibam que o amor é eterno.

As nuvens escuras e pesadas, que lembram como me sentia durante a viagem, começaram a fazer chover outra vez. As pingas grossas batem no vidro com impacto e trataram de esbater a pintura que outrora eu apreciava na janela. Mas agora, já não há nada que eu quisesse mudar. Aos meus olhos está um dia perfeito.

 

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