Respirei fundo. Respirei fundo apenas para ter a
sensação de que os meus pensamentos ficavam um pouco mais leves. Mas não. Era
uma sensação ilusória. Na minha cabeça havia pontos de interrogação a voarem em
remoinho. Mas além de mim, ninguém os conseguia ouvir. O seu zumbido era tão
forte que nem deixava o meu coração falar. Era como se uma agulha me estivesse
a atravessar o peito e os meus pulmões fossem um balão a esvaziar-se dentro de
mim. Sentia-me claustrofóbica dentro daquele comboio. Já estava sentada naquele
lugar há demasiadas horas. Já sabia de cor o lugar de cada pessoa que ia na
minha carruagem. As janelas tinham vindo fechadas o caminho todo e as minhas
pernas já não sabiam que posição escolher. A certa altura, inspirei pelo nariz
e concentrei-me em libertar pela boca o ar tóxico, já saturado de dióxido de
carbono. A dor de cabeça também parecia que começava finalmente a ir-se embora.
Num gesto único, passei as mãos pelos meus
cabelos e penteei-os para trás. Já não me lembrava da última vez que os tinha
tido tão compridos. E eis que sinto um novo aperto no coração. A ansiedade pelo
desconhecido e a incógnita estavam a apoderar-se de mim. Quase que obrigavam o
meu corpo a deixar-me e a querer ser apenas mais uma das pessoas que estavam
sentadas ao meu lado no comboio. Essa ideia até parecia agora bastante
agradável. Talvez tudo fosse mais fácil. As pessoas à minha volta podiam não
parecer felizes mas também não mostravam estar preocupadas ou inquietas com
aquela viagem.
Apercebi-me de que as minhas mãos estavam
molhadas. Limpei-as às calças de ganga. Calças de ganga. O que é que me levou
a, num dia tão importante como aquele, vestir uma roupa tão casual? Talvez
fosse a minha necessidade inconsciente de segurança e a minha tentativa de
alcançar tranquilidade em alguma parte de mim. E logo de seguida, parecia que
um punhado de borboletas se tinha alojado na minha barriga. Ou seriam formigas?
Ou seria o medo de já não te reconhecer a face? Não. Lá vieram novamente os
pensamentos revestidos de chumbo. Vieram em forma de tornado e arrastaram
consigo palavras desagradáveis que azedam na boca, numa força centrífuga que me
consumia por dentro. Um telemóvel começou a tocar e despertei. Olhei também
para o meu telemóvel de forma descontraída em total contraste com o que sentia
no meu íntimo.
Pela janela dei conta de que os postes já não
passavam por mim com a mesma velocidade de há pouco. Estava a chegar. Alguém
abriu uma janela lá no início da carruagem e o cheiro da terra ainda húmida
entrou como uma brisa no meu espírito. Outono. O tempo de deixar para trás das
costas o verão que já foi bom um dia, mas já não serve para o inverno que se
aproxima.
Uma paisagem amarela, castanha e vermelha
preencheu a minha janela e incendiou os meus pensamentos como se de papel
envelhecido se tratassem. Era um quadro de aguarelas que se apresentava à minha
frente. E ao mesmo tempo era uma lufada de ar fresco que invadia o meu coração
de certezas. Aquelas que me tinham levado a entrar no comboio.
Vi-te na plataforma de imediato. Eras apenas um
no meio da multidão e eu reconheci-te. Estavas à minha procura. Eu sei. Os teus
olhos estavam fixos nas janelas do comboio em busca dos meus. Sorri para ti.
Finalmente viste onde estava.
É incrível como os nossos olhos estão destinados
a cruzarem-se. É como se já tivessem passado mais do que uma vida juntos. Gosto
de pensar que eles já viveram e já se amaram de tantas outras formas quanto o
número de pessoas que há neste mundo, num tempo que ninguém acredita que alguma
vez existiu. Talvez só eles saibam que o amor é eterno.
As nuvens escuras e pesadas, que lembram como me
sentia durante a viagem, começaram a fazer chover outra vez. As pingas grossas batem
no vidro com impacto e trataram de esbater a pintura que outrora eu apreciava
na janela. Mas agora, já não há nada que eu quisesse mudar. Aos meus olhos está
um dia perfeito.
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